domingo, 31 de maio de 2009

Lia

Eu gosto desse texto...


Lia estava parada num ponto de ônibus de uma avenida imunda e barulhenta, as 19hs d um dia cinza e comum. Olhou pro céu enfumaçado e escuro em busca de algum conforto pros olhos e pra mente, fatigados por tanta informação. Muitas pessoas, muito barulho, muito tinta esparramada nos muros caquéticos, muitas luzes e muitos carros, muito cimento cobrindo as ruas sem graça e brilho. E aquele céu morto, aquele pouco verde artificial plantado propositalmente pra tornar o cotidiano mais fácil de se olhar e viver. Lia só queria um lugar seu. Um lugar que pudesse se encontrar no meio da multidão, da confusão sonora e visual. Um silêncio bom e puro, uma calma extasiante, a beleza da simplicidade que as pessoas não conseguiam perceber, entorpecidos pela mentira de Shopping Centers limpinhos, azulejos novos, paredes alvas e o ar condicionado que tentava traduzir refrescância e ar puro. E Lia queria apenas praças cobertas de verde puro e real, flores de todas as cores que cobriam jardinzinhos e entorpeciam sua mente de tanta beleza e poesia, a harmonia de um silêncio nobre interrompido alegremente por ruídos de uma natureza viva. Todas às vezes que Lia sai do trabalho, as 19hs, num dia cinza e comum, em direção ao ponto de ônibus de uma avenida imunda e barulhenta, ela olhava pro céu em busca de pontinhos de luz perdidos em meio ao caos. Era uma tentativa desesperada de salvação. Ela precisava buscar a beleza pra se encontrar. Naquele dia haviam 4 estrelas no céu. Ela procurou insistentemente por outros pontos d luz. Em vão. Eram apenas 4, muito distantes uns dos outros e com uma luz muito fraca, apenas quem procurasse muito, com muita atenção poderia identificá-los. E apenas Lia que esperava tanto encontrá-los, movida por um entusiasmo lúdico, poderia tornar aquela luz muito mais brilhante do que era realmente. Ao ver as quatro estrelas apagadas no imenso escuro, riu feliz e satisfeita. Ainda existia vestígios de beleza. Lia de repente sentiu o aroma doce de uma Dama-da-noite. E esse aroma, era aquele que entre os mais diversos, despertava em Lia as sensações mais intensas e maravilhosas. Procurou extasiada aonde afinal se escondera aquela planta de odor mágico. Estava bem atrás dela, cheia d raminhos brancos, flores se abrindo timidamente e exalando o perfume que entrava dentro de Lia e convulsionava sua alma d emoção. Se pôs ao lado da planta e fechou os olhos pra sentir suas narinas absorverem a doçura do seu aroma.

E de repente se viu fora do mundo.

E fora do mundo ficou até se deparar com a doçura de um olhar etéreo e tranqüilo diante de si. A beleza mais bela desse mundo, a poesia mais poética d mil jardins floreados, a emoção mais intensa que o odor de mil Damas-da-Noite lhe acometeu a alma, e ela finalmente se perdeu. Custou a se encontrar, convulsionada por uma paixão inédita e sem estribeiras. Lia o olhava com uma fascinação quase paralisadora. De repente os carros afoitos diante de si, perderam o movimento, as luzes não brilhavam mais de maneira a lhe cegar os olhos e os sentidos, as pessoas não conversavam sobre banalidades, elas simplesmente viraram modelos congeladas por cimento e nada. O vento não mais lhe batia forte na cara, naquela noite gelada de agosto, e o barulho, todo aquele barulho mundano, ecoava agora de maneira mágica e descontrolada dentro do coração doente de Lia. Ela observava cada passo seu, cada olhar desproposital, cada gesto, cada espirro e piscar, cada mão abraçando o próprio corpo pra se proteger do frio, cada expressão de cansaço, cada bocejar e cada momento em que seus olhos se fechavam profunda e longamente para descansar brevemente da vida. Ele jamais olhara pra Lia. Não foi capaz de perceber a existência dela por nenhum segundo. E seus olhos eram tão fixos nele, tão obsessivos, a expressão no seu rosto explicitava tanta alegria e angústia diante de sua presença, era tão alucinada sua face em êxtase, tão transparente, Lia, no desabrochar mágico e arrebatador de sua alma.

O desespero de uma multidão que lhe acotovelava e gritava palavras ininteligíveis, despertou por alguns segundos Lia para realidade externa. Um ônibus havia parado no ponto, e muitas pessoas correram afoitas em direção a ele. Na baderna d pessoas e barulho, Lia procurava desesperada a existência daquele ser que havia se perdido na multidão. Foi quando o ônibus fechou suas portas e ela o viu lá dentro, sentado com a cabeça tombada no vidro embaçado. E num segundo breve e mágico q duraria pra sempre, ele a olhou. Fixamente, entorpecido por um encantamento inesperado. E aquele olhar roubou durante uma eternidade breve, toda a sua vida.

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