sábado, 29 de agosto de 2009

Estou feliz por conseguir chorar. Eu sei, essa é a frase mais paradoxal e estranha dos últimos tempos. Mas eu preciso eliminar essa podridão dentro de mim. Tá tudo doente. Dolorido. Excretado. Apodrecendo. Esvaziando. Preciso jogar tudo no lixo e recomeçar. Estou cansada de ter que ser eu. Quando eu olho pras pessoas me vem um misto de repugnância e inveja. Não queria ter a minha vida por alguns minutos, queria ter outra. Qualquer outra.
Queria minha cama e fim. Sem essas pessoas compartilhando de uma felicidade que eu não reconheço. Casamento, mentiras, festas, imagem, vaidade, mentiras, mentiras, mentiras. Ilusões, novelas, personagens, um palco boçal, uma encenação sem sentido que não me convence, não me comove e só me desperta vontade ainda maior de não participar disso. E ontem: aquele antro de animais insaciáveis no prazer - o prazer da vaidade, da conquista, da sedução, do entorpecimento, do exibicionsmo. Cheguei a conclusão de que era possível participar disso: assim que eu me tornasse completamente alcoolizada. Como eu fiquei sã e sóbria pude perceber como é ridícula a situação em que aquelas pessoas se colocam. Dançando uma música imbecil, pra ser vista e ver. Se exibir, e conquistar. Beber seu drink colorido no canudinho, fazendo caras e bocas de quem é sexy, feliz, bem-resolvida e disponível. Enquanto um ser do sexo oposto, verifica o que tem na prateleira daquele comércio de peças indiferenciadas, pra estimar qual seria a aquisição mais fácil. Analisa a cantada mais convincente, as mentiras mais deslavadas, a atuação mais canastrona e vai lá: se esbaldar naquele velho e ridículo joguinho de sedução. E eu lá, sem conseguir achar graça de tudo isso. É muito mais deprimente que hilarante, juro.
Enfim, também construi um monte de mentiras pra mim. Vivo de mentiras, acredito nas mentiras alheias e reproduzo na suposta realidade um farsa sem tamanho. E isso me esburaca e apodrece tudo aqui dentro.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Contradições

Quando você acha que tem tudo sob controle, aquele joguinho bem nas suas mãos, os sentimentos contidos, as emoções freiadas, as estratégias muito bem elaboradas e em pleno e eficiente funcionamento, as pessoas se submetendo às suas regras, você seguindo o que foi devidamente estabelecido. Tudo funcionando. Tudo ocorrendo bem. Tudo dentro do seu campo de manipulação. Tudo morno, calmo, tranquilo. Tudo simples. Tudo compreensível. Eventualmente, rola um vazio e uma frustração latente, que te faz repensar sobre a graça da vida estabelecida sob uma razão absoluta, onde a emoção não ganha espaço. Mas enfim... é o preço que se paga pra não sofrer, não correr riscos e ter (fantasiosamente) as relações e as pessoas nelas inseridas, sob o meu absoluto controle.
Mas num encontro, aparentemente sem importância, com alguém sem importância - só conversas despropositais, álcool, pele, carne, cheiros, beijos, mentiras e adeus - em alguma situação inesperada e subitamente você percebe que perdeu o controle. Não completamente, ainda existem meios pra se proteger, ainda existe a fuga covarde, ainda existe a contínua lavagem cerebral pra não se fazer acreditar no sentimento, no interesse, na importância, ainda existe a poligamia pra minar minha vontade de monogamia com aquele ser na minha frente sorrindo bonito. Aquele ser que era pra ser só mais um, em só mais um encontro, tudo muito pouco e sem valor. Foi tirado de mim o controle da situação. Parte do que estava nas minhas mãos, escapou. Minha supostamente inabalável razão foi abalada, perdeu parte do seu poder e do seu espaço dentro dessa relação. E aí, ganharam espaço toda a minha fragilidade e o meu estafo pelo esvaziamento afetivo, toda minha carência pelo desconhecimento do amor, do romance e da paixão. E então, eu inventei uma emoção. Porque viver relações vazias está me deixando cansada, triste, frustrada, confusa e distante de mim. Distante da minha essência, dos meus anseios - o maldito corrompimento em nome da adaptação. Quero um amor arrebatador ou não quero nada. Quero ficar sozinha. Preciso me encontrar. Não sei se essa emoção surgiu baseada na admiração e no afeto verdadeiros ou foi fruto da minha ânsia em me realizar emocionalmente. Não sei. Estou cansada também, de me iludir. Tanta mentira me deixa perdida e despreparada pra julgar a realidade. Talvez ele seja só mais um cara mesmo, em só mais um encontro. Talvez meu sentimento seja real, e eu devesse mesmo, acreditar nele e viver isso. Mas não quero. Não posso, não devo. Quero ser livre. Sem essas armadilhas estranhas de entrega, posse e resignação. E aí, que eu me confundo por completo. Porque desejo coisas paradoxais e não sei administrar a minha vida nesse sentido. Quero só carne, uso e descarte, diversão e desapego - e que toda essa vontade seja explícita e de mútua ocorrência, sem conversinhas, mentirinhas, promessas e sentimentalismo falso. Mas quero amor de verdade, beijos apaixonados, tremor nas mãos ao tocar, coração disparado ao ver, emoção arrebatadora ao pensar. E quero ser livre, ter meus finais-de-semana, meus amigos, meus forrós, meu tempo, minhas vontades, minhas viagens, meus próprios limites. Mas quero a exclusividade, quero ter alguém pra embalar meus sonhos, compartilhar minha vida e assistir filme abraçada no sofá. É estranho ter essas vontades simultaneamente, sendo que todas elas, me provocam um misto absurdo de repulsa e expectativa, anseio e nojo, ambição e desprezo.

domingo, 9 de agosto de 2009

E Deus disse...

Antes de nascer Deus me deu uma lista estranha de avisos:

"É. Não vai achando que a vida vai ser fácil. Você vai sofrer um bucado para descobrir a felicidade, se descobrir e aprender a lidar mais tranquilamente com essa carga pesada na sua mala, cheia de defeitos, de medos e ilusões. E você vai querer desistir eventualmente, jogar tudo pro alto e esquecer dessas cruzes pra carregar, mas é em vão, pois elas estão dentro de você. E não se substime: você consegue e sabe que consegue. Você vai conseguir um monte de vezes. As cruzes vão se tornar mais pesadas em alguns momentos e você pode fraquejar. Mas você tem uma força imensurável pra viver, tome cuidado para não acreditar cegamente na potência dessa fragilidade que eu botei na sua bagagem. Você suportará, enfrentará, aprenderá e vai sorrir, cansada e realizada, na reta final. Vou te dar um bucado de abandono na infância e na adolescência, mas servirá pra você aprender a gostar da solidão. Apenas tome cuidado pra não gostar demais. Tome cuidado pra não se afastar demais das pessoas, se tornar amarga e indiferente, se tornar um poço de desapego pelo medo do abandono, afinal você é sensível demais e um dos maiores dilemas da sua vida será: equilibrar o amor, a falta de amor, a vontade de amor e o medo de amar. Amor de qualquer natureza, dentro de relações de qualquer espécie. Você vai oscilar entre o afeto, a indiferença e a repulsa tantas vezes até se sentir culpada por parecer fria ou desumana. Mas é só medo demais que você carrega. As pessoas serão pra você seres interplanetários, que você não entende, não acessa, não compartilha, não sabe lidar e alimentarão em você a vontade de fugir pra qualquer lugar habitado por indivíduos mais familiares. Vou te colocar num mundo que parece não ser seu.Você vai se aliar à ilusões, ao platônico e a mentira pra suportar a vida. Mas aos poucos você vai perceber o quanto isso te faz mal, te faz sofrer e te afasta da sanidade. Aprenda a administrar a ilusão, pois apesar dela ter o poder de saciar, realizar e dar mais brilho à existência, tudo isso deve ser conquistado através da realidade que eu te dei. O mundo será pra você dotado de tudo que lhe parece incompreensível e inacessível. Regras que você não entende. Convenções que você luta pra se adequar. E por mais que se encaixe em termos práticos, na sua mente sentimentos de deslocamento e repulsa vão te perseguir até o dia em que você se veja como igual aos seus semelhantes, amadureça e se sensibilize o suficiente para ver e entender o que e quem está ao seu redor, e assim se livrar desse egocentrismo patológico que não te permite sair do seu pequeno universo. Espero que esse dia chegue. Lembre-se que botei na mala um tanto bom de disciplina e obstinação: você sabe que chegará aonde quiser chegar. E você sabe também que tem potenciais que não devem ser esquecidos e ignorados. Não deixe de separar um espaço especial na sua vida para as coisas que te dão prazer e te realizam. Não se esqueça do exercício diário de se tornar mais humana, mais digna, mais justa. Não se esqueça de sentir. Mas também não sinta demais. E aqui chegamos a outro grande dilema da sua existência: o equilíbrio das suas emoções. O paradoxo entre querer o prazer a qualquer custo e ter que lidar com todas as consequências pavorosas de obtê-lo. A insuportabilidade de viver o sofrimento, o tédio, a monotonia e todos os efeitos dos mecanismos construídos pra burlar essas situações. A frustração que acompanha a elaboração de sentimentos de alegria ilusórios, paliativos e que duram minutos. O sexo, a comida, a vaidade, as ilusões, as subtâncias psicoativas - tudo isso com que você vai estabelecer relações de amor e ódio, compulsão e abstinência, vontade e repulsa. Eis aqui mais um paradoxo - aprenda a lidar. A vida não tem receita mágica, aprenda o que é bom e ruim, o que é certo e errado pra você, o que te faz bem e o que te faz mal, preste atenção em cada caminho percorrido e aonde eles te levarão. Se respeite. Construa princípios embasados nas suas verdades - mas seja flexível para compreender que eles são mutáveis. Entretanto, não os corrompa tão facilmente, afinal, são eles que te levam pra uma vida equilibrada e saudável. Descobrir suas verdades, seus princípios, a sua felicidade e a sua ruína será um eterno e árduo trabalho. Não pense que será tão simples. E eu sei que você vai sentir muita raiva de não poder ter tudo isso sob controle e de sofrer tanto por ignorância e irracionalidade. Vou te fazer fraca demais, sensível demais, frágil demais. Seu corpo padecerá de doenças de diversas naturezas. Mas será bom para que você possa valorizar os breves momentos de gozar de uma saúde inabalada. Um pulmão fraco, um coração fraco, a pele e as unhas fracas, um estômago fraco. Alergias mil. Míope. Gastrite. Asma. E a fragilidade emocional vai afetar ainda mais o seu corpo, de formas várias. Essa incapacidade de sentir saudavelmente. Essa sua mania de excesso. Essa sua intensidade. Vou te dar uma inteligência emocional ridícula, mas você pode aprimorá-la. Lute por isso e pare de sofrer com essa burrice pra sentir e lidar com sentimentos. Você vai lutar, sofrer e se dedicar a encontrar o que realmente te realiza e te faz feliz, mas quando você acredita ter encontrá-los, você começará a questionar tudo. Então, entenderá que a descoberta da felicidade é um caminho infindável e eterno a se percorrer. Mas eu sei que você sempre estará disposta a percorrê-lo, cheia de determinação, reflexões e sensibilidade. A sua vontade de ser melhor, sempre e cada vez mais, te levará à um nível de elevação e auto-realização muito grandes. Não deixe de acreditar em você. Afinal, te dei esses potenciais porque acreditei que saberia valorizá-los e ampliá-los. E botei essas pedras pesadas na bagagem porque sabia que você suportaria carregá-las. E pra que você pudesse ir deixando-as pelo caminho, depois de ter extraido de cada uma, sofrimento e aprendizado. Pode ir. Não vai ser fácil, mas será maravilhoso. E você merece que seja."