segunda-feira, 2 de março de 2009

essa MERDA

Essa merda. Essa maldita merda de Brasil. Olha lá eu falando palavrão. Tô com tanta ira e pavor dentro de mim, que na verdade "merda" foi a palavra mais amena que eu encontrei pra falar da minha revolta. E que na verdade, encaixa perfeitamente. Vejam só: acabei de ser assaltada, há 2 quarterões de casa, por dois moleques desgraçados que me jogaram no chão, tamparam meus olhos, me agarraram e puxaram minha bolsa com mais força do que eles achavam que eu não tinha. Mas eu tinha. Sei lá de onde eu tirei essa tal força, esse tal desespero que me faz agarrar a bolsa tão loucamente, que em meio a berros de pânico e pedidos de socorro travou-se uma guerra de puxa-puxa entre os dois assaltantes e a assaltada. Um verdadeiro teatro. Juntaram pessoas, curiosos ridículos e sádicos que só olham, comentam, se aterrorizam, agradecem à Deus por não estar no meu lugar e não FAZEM NADA. Não fazem absolutamente nada. Por que são brasileiros, são acustumados a estar na merda sem reclamar e sem lutar por dignidade. São brasileiros que silenciam diante das atrocidades desse país, dessa política, dessa saúde, dessa educação, desses impostos, dessa violência urbana. São surdos, mudos, cegos, paralisados na ignorância e na falta de auto estima que os permite acreditar que merecem mesmo serem tratados como lixo e não há motivo para se rebelar. Apenas maldizer, fazer piadinhas sórdidas e voltar pra seus butecos e carnaval e futebol e putarias sortidas. Ignorantes boçais animalizados de um país no qual a violência já foi a tal ponto banalizada que virou não só a coisa mais normal e aceitável do mundo, mas atração na rua, em pleno 12h de uma segunda-feira. Todos os dias, em qualquer horário, qualquer lugar, sempre. E especialmente nessa rua, tive notícias (conversando com as boas almas que me acudiram, me deram água, conselhos e apoio moral) que acontecem assaltos necessariamente diários, a esta hora do dia, quando a escola municipal (lotadaaaa de marginais já formados ou em potencial) encerra as aulas. Ninguém chama a polícia, faz abaixo-assinados, passeatas, campanhas contra a negligência do batalhão de polícia (que tem há um quarterão), contrata um segurança com os dízimos milionários da pomposa igreja ao lado (porque vou te falar, só Deus não está resolvendo o problema, minha gente). Ninguém faz nada. A comunidade se limita a chorar as pitangas e se lamentar diante da violência. Violência maior contra si mesmos, que assistem tudo, vivem tudo aceitando simplesmente, como numa teoria fatalista e burra de impotência. Se dois homens se juntassem pra dar uma boa e merecidissima surra nos marginais, não sobraria moleque sobre moleque, que sairiam chorando, mancos e desolados. Ah, nada nesse mundo me recompensaria e me faria tão realizada neste momento do que ver a humilhação e a dor desses filhos-de-você-sabe-quem. Essa dor e essa humilhação que eles fizeram não só a mim, como a muitos outros passar. Eu desejo isso não só aqueles dois, mas a todos os bandidos que se comportam dessa forma porca e desumana, eles que não merecem uma lágrima sequer, minha ou de quem quer seja, eles merecem mesmo é uma câmera de gás lotada de monóxido de carbono pra que eles possam se cortorcer lentamente numa asfixia desesperada - porque simplesmente morrer, seria apenas lhes fazer um favor. Estou sendo desumana?! Estou sendo irracional?! Estou sendo maquiavélica e egoísta ou ignorar os mil fatores sociais e culturais que levaram os marginais a serem marginais?! Estou. Vou te dar a cena que eu vivi há 1h atras, pra vc viver. Faça bom proveito e depois me conta se você tem um plano menos monstruoso que o meu.

Essa peste bulbonica do século 21, essa epidemia de filhos sem pai, sem mãe, sem lar, sem comida, sem dignidade, sem alfabeto, sem humanidade. Não, eu não vou ter dó, sabe. Sei de gente que saiu do lixão, das carboníferas, do trabalho escravo e se transformou não em algo muito extraordinário, mas simplesmente, em ser humano. Talvez eu não saiba do que eu estou falando, uma menininha mimada de apartamento que dá chilique quando um cara que não tem o que comer tenta lhe roubar o i-pod. Talvez para quem sai do zoologico, saber do que se trata humanidade é muito difícil, um parâmetro muito distante, praticamente desconhecido. Talvez roubar seja mesmo a única perspectiva. Talvez eu, que passei 6h por dia estudando pra passar no mestrado nos últimos 2 meses e que tenha como único e obstinado objetivo crescer profissionalmente não consiga compreender que quando se cresce dentro de uma favela cresce-se acreditando que ascenção é ter a maior boca de fumo, o maior controle, as melhores armas e maior número de seguidores. E essa é mesmo a única perscpectiva. Ou no mínimo, o ideal mais almejado. Uma realidade paralela ali dentro foi criada, um universo tal qual particular onde os nossos significados e valores, jamais serão os valores e significados deles. E que nós nem imaginamos, nem cinestas, nem jornalistas, nem livros, nem documentários e nem o Fantástico consiguirá jamais transmitir com toda a fidedignidade, numa postura imparcial livre de dramatizações e sensacionalismos o que se passa ali. Eu posso compreender os princípios básicos nos quais funciona as tais comunidades, mas eu jamais vou aceitar. Jamais vou aceitar como pessoas tiveram que se estabelecer segundo normas, perspectivas e crenças absurdas dentro de uma cultura imbecilizada e desumanizada, onde a violência é corriqueira e normal, as pessoas não são reconhecidas como pessoas, a vida perdeu o significado, crianças de 15 anos parindo outras crianças indiscriminadamente, pra botar no mundo mas bocas sem nada pra alimentar, mais humanos que vão perder a condição de humanos, de tal forma que não vão reconhecer a si mesmos e todos os outros como tais e se tornarão assim, mais marginais pra atormentar a sociedade e para serem sustentados por mais de 800 reais por mês em presídios tétricos.

Bom, voltando a cena: minha bolsa linda e vagabunda do Mercado Central (ainda bem que era ela!) rasgou no meio do puxa-puxa e meu celular de tela riscada e chip defeituoso escapoliu. Os marginais deviam estar abobalhados de medo diante do meu desespero, buzinas dos carros, pessoas se aglomerando e resolveram correr assim que pegaram o celular. Satisfeitos ou não com o bem adquirido, levaram apenas este. Minha carteira com uns 50 reais pra pagar o sapateiro (que também é um ladrão, mas dentro das vias legais), todos os documentos e meu inseparável melhor amigo i-pod ainda estão comigo. Por estar com os fones de ouvido tocando Adele no último volume e talvez pela tamanha adrenalina do momento eu juro que eu não escutei nada. Nem sei da altura dos meus gritos, mas sei que a moça do buteco da rua debaixo escutou e pensou que fosse briga. Essa mesma moça me acudiu, enquanto todos me olhavam andar em prantos e desolada pela rua. Ela me serviu um copo d'água, foi solidária e por apoio moral e sensibilidade, demonstrou muita revolta. Ficamos conversando um pouco, ela me contando dos assaltos diários, do medo, da indignação, das ameaças. Agradeci a ajuda e fui me retirando quando apareceu outro menino para me assaltar. Sim, eu disse: outro. Corri pra dentro da loja e chorei de novo imaginando como eu faria pra voltar pra casa, diante do trauma e das perseguições. A tal moça chamou um dos funcionários e pediu pra que ele me levasse de carro até em casa. Agradeci muito e ainda chorosa entrei no carro. Tocava um hino evangélico no som. E eu imaginei que é preciso mesmo muita fé pra lidar com toda essa merda. Que bom que ele tem à Deus.

Agora eu só tenho dor no corpo (não, não me machucaram diretamente. Só me agarraram e me pressionaram contra o chão como um animal), ainda tenho meu i-pod e meus documentos, além de ter me livrado de um celular caindo aos pedaços (é a arte de ver o lado bom).

Agora, chorar mais pouco, me revoltar mais um pouco, dormir pra silenciar minha mente e esquecer a cena.

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