quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Existem raras situações no meu cotidiano que finalmente me levam a constatar que EU existo. Sim, me livro das obrigações, dos prazos e responsabilidades a cumprir, do francês pra falar, das aulas pra me concentrar, dos textos pra ler, do projeto pra escrever, do spinning pra quase morrer, da dança pra me libertar, da música pra me alienar, dos trabalhos pra fazer e enfim, toda essa atribulação para apenas cumprir - e não pensar.
Hoje tive um breve acesso de reflexão enquanto percorria a Federal infinita, sob chuva, carros e gente, muita gente. Olhando aquelas pessoas me questionei de que maneira eu administrei minha vida pra ser o que eu sou, e não o que elas são. Sim, parece uma reflexão insana, mas é só um questionamento a respeito de ser eu e de que maneira cheguei até aqui. Fiz escolhas e construi imensidade de princípios e desejos e gostos, obtive realizações, acumulei medos e complexos, vontades que reprimi, que eu me convenci a ter e que eu tive naturalmente, sem grandes reflexões e repressão, ilusões, objetivos, riscos, traumas. E até que ponto eu realmente tive escolhas e vontades. Qual é o tamanho da força do meu sub inconsciente no estabelecimento do que eu sou e virei a ser? Que ilusão estúpida é essa, de achar que eu sou algo que eu construi com 100% de discernimento?

Se eu tivesse me esforçado mais pra quebrar minha timidez que me jogou e joga pra um mundo limitado cheio de mecanismos de defesa, pra não me fazer perceptível. Se eu tivesse olhado melhor pras pessoas, notado a existência delas e tirasse forças de-não-sei-aonde pra descobrir que elas podem ser interessantes. O que seria hoje do meu ciclo social? Maior, melhor, mais realizador? E meu auto-conhecimento, mais amplo? Minha essência sobreviveria tão bem quanto eu imagino que ele sobreviva por que eu me treino e me treinei a ser eu, somente eu e distinguir criteriosamente as influências que eu permiti sofrer? Se eu tivesse sido mais afetiva com as pessoas a minha volta eu seria mais realizada, no passado e hoje. Dá tristeza pensar que eu perdi parte da infância dos meus irmãos, a convivência com colegas de escola e faculdade e familiares, porque eu não sabia direito a respeito de envolvimento emocional. E ainda não sei tão bem, mas me esforço. Muito.

E se eu tivesse viajado, saído do país, conhecido outra língua e outras culturas? Meu cérebro e meu senso crítico são do tamanho de Belo Horizonte. Acho triste. Meus filhos vão conhecer muito mais do que dez bairros provincianos de uma cidade pateticamente provinciana. E se eu tivesse engolido o choro depois de brigar com a professora de balé e ter continuado a dançar? Eu queria ser bailarina, sempre quis. Mas me sabotei, aos 13 anos de idade. Não dei conta dos meus medos e me convencia a abandonar a importância de mais um, entre tantos, sonhos. E se eu continuasse a escrever e acreditasse em qualquer talento que queriam me convencer que eu possuía? – me sabotei de novo. E se eu ignorasse minhas inseguranças e continuasse a atuar, sem usar de tantas desculpas e justificativas que jamais convenceram a ninguém, muito menos a mim. E se eu me achasse bonita na adolescência, mesmo com espinhas, gorduras localizadas e cabelo Maria Bethânia? Eu poderia de verdade ter ficado bonita. Por que hoje entendo o poder transformador da auto-confiança – e olha que a minha nem é assim, grande coisa. Enfim, não lamento ser o que sou. Mas acho mágico e importante poder imaginar que ainda posso ter uma influência cavalar sob o meu destino e meu futuro se eu investigar mecanismos de defesa, medos e auto-sabotagens e eliminá-los, antes que eles eliminem meus potencias e minha capacidade de ser feliz.

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